Na última newsletter da Elizabeth Gilbert, autora do livro Comer, Rezar, Amar, ela destrinchou a palavra “attention”1. Ela deu uma aula de etimologia, concluindo que o termo quer dizer “se esticar em direção a algo", já que na língua protoindo-europeia “ten” significa “to stretch”2. Ela continua o texto perguntando ao leitor: onde está a sua atenção esses dias? Você está se esticando em direção a o que?
Por mais que eu ache a escrita dela um pouco cansativa, vale a leitura; ela nos provoca a ficarmos em silêncio, para então escutarmos onde está a nossa atenção de verdade. Em outras palavras, é um convite para ouvirmos a nossa intuição.
O texto continua com boas perguntas, e com essa anedota que adorei: em alguns monastérios budistas, o verbo “fofoca” é definido como “falar sobre qualquer coisa que não esteja diretamente na sua frente”. Ou seja, fofocar não é falar sobre alguém que não esteja ali, mas sobre qualquer coisa que não esteja presente. Ela conclui o raciocínio dizendo o seguinte:
Isso lhe parece extremo? Bom, considere — um dos propósitos de todas as comunidades monásticas ao longo da história é fazer com que as pessoas possam viver juntas durante toda a vida, geração após geração, sem entrar em guerra. Como podemos fazer isso? E se a resposta for: dando atenção ao que está acontecendo bem à sua frente? Esteja disponível para isso, seja quem for e seja o que for.
Gostei da reflexão, e quero tentar "fofocar” menos, dando mais atenção ao aqui e agora.
Com amor,
Paula
Adaptar uma obra clássica não é tarefa fácil, ainda mais quando envolve meios diferentes. Esta semana assisti duas adaptações; uma da literatura para o teatro, e outra do balé clássico para a dança contemporânea. Ambas têm em comum um enredo que te convida a voltar às origens, olhando de outra forma para a nossa ancestralidade.
Ficções com Vera Holtz 🎭
Mesmo sendo um trabalho recente, Sapiens, livro de Yuval Noah Harari, já pode ser encontrado no panteão de livros icônicos deste século. Transformá-lo em teatro, em outra língua, tinha tudo para dar errado. Mas não é que deu certo? Diria até que muito certo, no corpo da brilhante Vera Holtz, em uma adaptação criada pelo diretor Rodrigo Portella.
O texto, a interpretação da grande Vera, e todo o jogo de cena, nos levam a uma viagem pelo tempo. Ficções nos faz rir e refletir, rir e refletir, de novo e de novo... Como tudo na vida, uma hora termina. Mas, diferente de muitas coisas da vida, é um trabalho que fica com você; passam-se dias, mas continuamos pensando e falando dele. Assistam.
Quero maiZ: meu querido amigo Paulo Lima bateu um papo super legal com a Vera Holtz para o podcast da Trip. Foi nessa conversa que descobri que ela cresceu em Tatuí, foi atleta, e nunca quis ter filhos. Além de ter um ótimo senso de humor, Vera passa a sensação de estar extremamente bem em sua própria pele, o que é sempre inspirador. Gostei de ouvir a sua visão sobre a morte - “não tenho nenhuma questão com isso, a morte a vida são a mesma coisa para mim” - e de saber que ela é movida por paixão, como boa leonina. Ouça a conversa inteira aqui.
Sagração de Déborah Colker 🩰
A coreógrafa Deborah Colker também foi ousada quando escolheu adaptar uma das obras primas de Stravinsky, Sagração da Primavera, para os dias de hoje. Se a versão original tem 35 minutos, o espetáculo de Deborah tem o dobro; ele cresceu com ritmos brasileiros como Boi bumbá, coco, afoxé e samba, introduzidos através de instrumentos como flauta de madeira, maracá, caxixi e tambores. Os paus de chuva também entram em cena, manipulados ao vivo pelos bailarinos, em um dos momentos mais bonitos do show.
Nesta matéria do Brazil Journal, descobri que o roteiro de Sagração foi escrito com a ajuda de Nilton Bonder, partindo da cosmovisão de povos originários do Brasil. E, na sinopse do espetáculo, pude conhecer melhor o que está por trás da história:
Foi em uma viagem para o Xingu, durante o Kuarup, e no encontro com as aldeias indígenas Kalapalo e Kuikuro, que Deborah conheceu Takumã Kuikuro. O cineasta contou a ela como o povo do chão recebeu o fogo do Urubu Rei. Essa história é dançada e acompanhada por narração do próprio Takumã e faz parte da coleção de cosmogonias que a diretora reuniu para montar a dramaturgia do espetáculo.
“Tudo só poderia ter começado com uma mulher. Uma avó. A avó do mundo”, conclui Deborah, que, na companhia de Nilton Bonder, revisitou a mitologia judaico-cristã. Do livro “Gênesis”, as passagens sobre Eva e a serpente e sobre Abraão ganham cenas que destacam momentos de ruptura. “São dois mitos que elaboram sobre a consciência humana: pela autonomia de uma mulher que desperta para caminhos interditados e transgride; e de um homem que sai da sua casa e cultura em direção a si mesmo”, destaca o dramaturgo. Além das alegorias bíblicas, a coreógrafa também buscou referências na literatura científica.
Gostei, como gosto de tudo que a Deborah faz, mas ainda prefiro seu último espetáculo, Cura, que me emocionou profundamente.
Quero maiZ: o Paulo também entrevistou a Deborah Colker, quando ela estava em cartaz com Cura. Fiquei fascinada por ela depois de ouvir a conversa entre os dois.
90 Anos da USP 🥳
No sábado, a USP celebra seus 90 anos com um programa muito especial: show da Marisa Monte com a Orquestra Sinfônica da USP, regida pelo maestro André Bachur. A apresentação gratuita reune os maiores sucessos de sua carreira e contará com 60 músicos no palco. O evento será realizado na Praça do Relógio da USP. Demais!
Agenda da NAZA 🚀
Quer ficar sabendo sobre shows, teatro, balés e muito mais? Todos esses programas estão na Agenda da NAZA, nosso guia cultural de São Paulo, junto com centenas de outras dicas. Clique no link abaixo para acessar.
Livraria Simples 📚
Passei recentemente na Livraria Simples, uma joinha escondida dentro de uma charmosa casa no Bixiga. A pequena livraria de bairro se descreve como “a loja dos livros difíceis e impossíveis", já que eles se empenham (e gostam!) de achar livros raros. Além destes, a Simples vende livros novos e seminovos, organiza oficinas de escrita, e promove encontros bacanas unindo autores e leitores. Vale a visita.
Quero maiZ: falando em livros, gostei de ver que João do Rio será o homenageado da Flip deste ano. Vergonhosamente, admito que não conhecia seu trabalho, mas estou adorando o que estou lendo. Fico feliz de ver a crônica ser reconhecida.
Charlô Bistrô🍴
Almocei recentemente no recém aberto Charlô Bistrô, no térreo do novo hotel Pulso. Passados 35 anos na Barão de Capanema, o restaurante migrou para Pinheiros, onde ocupa um salão moderno projetado pelo arquiteto Arthur Casas. O que se mantém são alguns pratos clássicos - como a Galinhada Caipira e o Carbonara - e o serviço acolhedor (fomos muito bem atendidas pelo Matos, que está comandando o salão depois de 25 anos trabalhando no Fasano). O ambiente é amplo e elegante. Foi uma boa escolha para um almoço durante a semana.
Irina na Pinga 🐟
Outro almoço que me surpreendeu recentemente foi no Irina, recém aberto na loja Pinga. Há 40 dias, o pátio interno da Pinga passou a ser comandado pela Irina Cordeiro, chef do famoso Cuscuz da Irina. O cardápio é enxuto, repleto de brasilidades. Pedimos uma salada de tomates (estava tão boa, que pedimos duas vezes), uma favada, os vegetais vinagrados, e o crudo com água de cupuaçu. Tudo delicioso e leve, com ingredientes que fogem do óbvio. Adorei!
Quero maiZ: novidades gastronômicas não param de aterrissar na cidade. Pensando nisso, criamos o post abaixo com alguns lugares recém inaugurados em São Paulo.
Atenção
Esticar ou se esticar