Tiveram duas vezes na vida que eu achei que fosse morrer. A primeira foi aos 17 anos, quando fiquei presa em uma avalanche nos Andes. Me lembro de olhar para a amiga que estava comigo e dizer: fala para os meus pais que eu amo eles. Foi assustador.
A segunda vez foi na semana passada, quando soube que teria que fazer uma cirurgia de emergência, pois a minha fratura no fêmur havia aumentado muito. Não sei se foi porque eu tinha almoçado naquele mesmo dia com um amigo que ficou 6 meses entubado à beira da morte, ou porque tinha acabado de ler A Morte é um Dia Que Vale a Pena Viver, mas por alguns minutos achei que quarta-feira passada poderia ser o meu último dia na terra.
Nos primeiros momentos, senti muito medo. Liguei para um amigo e chorei com ele no telefone. Quando passou a onda do medo, me vi fazendo uma retrospectiva da minha vida, em uma cena bem clichê. Pensei na minha família, nos meus amigos e na minha jornada pessoal, e concluí que tinha dado o meu melhor. Não sei se tive sucesso, mas sei que me esforcei todos os dias para ser a minha melhor versão. Essa reflexão veio acompanhada de um tsunami de amor e gratidão, de uma magnitude que nunca senti antes. Me fez pensar se seria esse o high ao qual a Ana Claudia Quintana Arantes se refere quando ela diz que “a morte é um dia que vale a pena viver”.
No dia seguinte, dividi esse pensamento com outro amigo, que na hora chochou o meu insight dizendo: como assim você fez o melhor que pode? Você não ganhou um prêmio Nobel, não foi presidente dos Estados Unidos...
De fato, não ganhei nenhum prêmio relevante – tirando a importantíssima medalha de química no último ano do colégio – e ainda não frequento o G7, mas será que na hora do juízo final, isso importa? Pode ser que eu mude de ideia mais adiante, mas não sei se esses laureados me trariam a paz que eu senti na semana passada.
Com amor,
Paula
Escute As Feras 📚
O livro Escute as Feras, da antropóloga francesa Nastassja Martin, caiu como uma luva para o meu momento atual. A história começa com Martin acamada em um hospital soviético, em decorrência de um encontro brutal com um urso na floresta siberiana. Ao longo de pouco mais de cem densas páginas, a autora divide os insights que essa interação despertou nela, mergulhando em temas como vida e morte, e a relação do ser humano com os animais.
Publicado pela Editora 34, o livro revisita as experiências que a própria Martin viveu durante uma pesquisa de campo realizada na Península de Kamtchátka, na Sibéria. É um trabalho de não-ficção, que mora na interseção de uma autobiografia com uma pesquisa científica.
Além do livro ser extremamente bem escrito, gostei muito de ler sobre as reflexões da autora em decorrência do episódio com o urso; me identifico com a forma que ela ressignificou o acontecimento, o percebendo como um encontro em vez de um ataque. Foi a melhor obra que li nos últimos tempos. Deixo aqui um pequeno trecho:
Papai diz que não se deve sonhar muito. O que você acha?
Reflito.
Acho que não se deve fugir ao não realizado que faz no fundo de nós, que é preciso confrontá-lo (…).
Se crescer é ver seus sonhos morrerem, então crescer se torna morrer. Melhor esnobar os adultos, quando nos fazem acreditar que os compartimentos já estão lá, prontos para serem preenchidos.
Aos Prantos no Mercado 📖
Se Escute As Feras serviu bem para o momento, não posso dizer o mesmo de Aos Prantos no Mercado; achei triste demais o livro da escritora e cantora coreo-americana Michelle Zauner, que gira em torno da perda de sua mãe para um câncer. Entretanto, não descarto o fato de que em outro momento, eu talvez gostasse mais do livro; é curioso pensar em como o nosso contexto presente interfere na forma como consumimos um livro, ou assistimos um filme né?
Posto isso, a leitura valeu para conhecer melhor a riqueza e a abrangência da gastronomia coreana. Salivei de verdade ao ler a descrição de cada prato coreano, e fiquei morrendo de vontade de embarcar para Seul.
Fato NAZA: descobri que o livro começou como uma coluna na revista The New Yorker. As páginas tiveram tanto sucesso, que depois viraram o primeiro capítulo do livro, que foi escolhido entre os melhores de 2021 do Obama, junto a títulos de autores como Benjamín Labatut e Kazuo Ishiguro.
NAZA Talks 🎤
Adorei observar como a Michelle Zauner transformou a dor da perda de sua mãe em músicas que tiveram tremendo sucesso. Na mesma linha, foi inevitável associar a obra-prima de Nastassja Martin com o seu encontro com um urso: será que ela teria escrito algo tão poderoso, caso o incidente não tivesse acontecido?
Ainda não escrevi um livro, e não criei uma banda de sucesso, mas tenho me percebido mais criativa desde que descobri a minha fratura, e com vontade de expandir os tentáculos da NAZA. O mais novo deles está nascendo, e vai se chamar NAZA Talks: um encontro mensal, unindo palestrantes e a comunidade da NAZA, em diferentes lugares da cidade. Se você quiser saber mais, mande um email aqui: entraremos em contato em breve com mais informações.
Segredos de Um Escândalo 🍿
No primeiro momento em que me senti mais forte, fui correndo para o meu cinema de rua favorito, o Cinesala. O filme da vez foi Segredos de Um Escândalo, novo longa de Todd Haynes, inspirado em uma história real. Encontrei uma sinopse que não revela muito a respeito do filme, do jeito que eu gosto:
Vinte anos depois de seu notório romance de tabloide ter dominado a nação, um casal com uma grande disparidade de idade cede à pressão quando uma atriz chega para fazer pesquisas para um filme acerca de seu passado.
O longa não é exatamente o meu tipo de filme, mas reconheço que o trabalho de construção de personagens é impecável. As figuras centrais são extremamente complexas, com múltiplas camadas, principalmente as protagonistas interpretadas pela Natalie Portman e pela Julianne Moore. Aliás, explorar personalidades controversas e sociedades disfuncionais é um tema recorrente na obra do Todd Haynes, como é o caso no filme Carol.
Quando saí do cinema, notei que todos que estavam na sessão estavam falando do filme, um sinal de que o longa é daqueles que fica com a gente mesmo depois do desfecho.
Quero maiZ: esta semana saiu a lista de indicados ao Oscar. Estou achando este ano particularmente bom para filmes. Na categoria de “Melhor Filme", vi e adorei Anatomia de Uma Queda, Os Rejeitados, Assassinos da Lua das Flores, Maestro, Oppenheimer e Vidas Passadas. Faltam ainda American Fiction, Pobres Criaturas e Zona de Interesse. O único que assisti e não gostei foi Barbie…
The Quiet Girl 🎬
Falando em Oscar, assisti esta semana o filme irlandês The Quiet Girl, que concorreu ao prêmio de “Melhor Filme Internacional” na edição do ano passado. Que beleza de filme.
Passado em 1981, o longa retrata um verão na vida de Cáit, uma menina proveniente de uma família pobre e disfuncional. Com a chegada de mais um irmão, a garota de nove anos é despachada para a casa de parentes distantes, apenas com a roupa do corpo.
O filme é quase todo falado em irlandês, e é do tipo que está quase em extinção: é lento, low budget, e extremamente sensível. As dinâmicas das relações se desenvolvem através de pequenos detalhes, ao invés de grandes artimanhas de produção. A atuação da jovem atriz Catherine Clinch, que tinha apenas 11 anos na época da filmagem, é impressionante. Está em cartaz nos cinemas.
470 Anos de São Paulo 🏙
São Paulo, cidade em que eu nasci e com os anos aprendi a amar, comemorou ontem os seus 470 anos. Criamos um post em homenagem a ela, com 11 programas especiais para todos os gostos. Alguns deles vão até domingo. Como disse o Fernando Luna neste post, Obrigada por tudo, São Paulo, e desculpa qualquer coisa.
Agenda da NAZA 🚀
Sabia que todo mês publicamos um guia cultural de São Paulo cheio de programas legais e diferentes espalhados pela cidade? Se você ainda não acessa, clica nesse link aqui embaixo para receber; o próximo guia já vem semana que vem.
Eu amei a história e vou acompanhar!
Desde que morreram algumas pessoas relativamente próximas nos últimos anos, e também tendo lido o A Morte É Um Dia... mudei um pouco a minha "mensagem final", caso pudesse escrever com calma:
Diria a todas as pessoas que amo, que se importam comigo e sentiriam minha falta, que nada entre nós ficou incompleto ou não-dito, ou mesmo mal-entendido. Se soubéssemos que era nosso último momento juntos, teríamos dito e feito coisas diferentes das usuais, que teceram a nossa relação.
Nada ficou faltando, nada ficou pendente: se não dissemos que nos amamos na última mensagem, tudo bem. Eu me sentia amada (e amava de volta) mesmo assim. Eu sentia sua falta mesmo assim. Não tinha problema termos adiado para um dia que não chegou - a vida juntos também é o planejar de encontrar, de realizar, nem sempre concretizar.
E aí acho que as suas "obras de vida" (voltando a você), são sim o seu melhor diário e isso é maravilhoso. A maioria de nós não vai ganhar na loteria, mas todos nós eventualmente jogamos ou sonhamos com o que teríamos feito - isso também é viver :)
Oi, Paulinha! Que chato saber essa notícia sobre sua fratura! E agora o que você deve fazer? Fará a cirurgia logo? Estou torcendo para que seja mais fácil do que você imagina e que possa voltar a fazer tantas coisas que gosta sem muletas ou cadeira de rodas o mais breve possível! Gostaria de saber notícias suas. Quanto a The quiet girl, também adorei o filme, sua delicadeza, sensibilidade, além da menina ser lindinha e excelente atriz! Um grande beijo