De Quatro não foi um livro que me pegou de cara. Estou até surpresa de estar dedicando uma newsletter inteira a ele. Os temas abordados — perimenopausa, crise da meia-idade, casamento, bissexualidade, transição de gênero, entre outros — ainda não chegaram diretamente em mim. A linguagem neutra, escolhida na tradução de Bruna Beber para tratar do "filhe" da protagonista, me desorientou. Ainda assim, me pego escrevendo um texto inteiro sobre o mais novo livro da multiartista americana Miranda July. Por que será?
Antes de responder à pergunta, compartilho a sinopse:
Às vésperas do seu aniversário de quarenta e seis anos, uma artista quase famosa decide cruzar os Estados Unidos de carro, de Los Angeles a Nova York, em uma viagem que mudaria sua vida para sempre. No entanto, trinta minutos depois de se despedir do seu marido e da sua criança, ela sai da rodovia e se hospeda em um motel. Entre quatro paredes, uma jornada completamente inesperada se inicia e novas maneiras de desejar e de ser surgem em epifanias nada ortodoxas.
“Ninguém sabe o que está acontecendo”, confessa a narradora. E, mesmo sem saber, ela se joga nessa aventura e tateia em busca de uma liberdade desconhecida. A viagem que se desenrola a partir daí, embora às vezes absurda ou estranha, é uma verdadeira recriação da vida amorosa, sexual e doméstica de uma mulher no século 21.
O segundo romance de July — o de estréia foi O Primeiro Homem Mau, também traduzido para o português por Beber — teve uma ascensão meteórica no meio literário. Em seguida, foi bastante criticado, e hoje está onde deveria; dividindo opiniões, porque, como disse Nelson Rodrigues, “toda unanimidade é burra”. Em mim, chegou como mais uma obra contemporânea hypada que jurei que não leria, até cair na tentação. Não consigo dizer se gostei ou não — essa classificação binária me parece simplista demais para a obra — mas vale a leitura.
Durante os meus dias com a protagonista de De Quatro — ela não tem nome — virei uma mulher de quarenta e cinco anos bissexual na perimenopausa, com uma criança de gênero neutro, em um casamento cansado. Entendi suas angústias e desejos, e vibrei por sua caminhada. Senti sua solidão e seus questionamentos. Pensei em todas as pessoas que devem ter se sentido acolhidas. Admirei-a por ter coragem de mudar o que não estava funcionando. Uma das frases mais bonitas do livro diz: "É preciso muita coragem pra sentir as coisas."
Uma força do livro está na construção dos personagens que, neste podcast da 451, Beber apelidou de “excêntricos normais”. Em uma primeira leitura, eles podem parecer pouco verossímeis — quem gasta milhares de dólares para decorar um quarto de motel de beira de estrada? — mas é justamente essas loucurinhas que os tornam tão relacionáveis. Afinal, quem é normal?
No mesmo episódio, aprendi com a Branca Vianna que existem mais estudos sobre calvice do que menopausa. Realizei que existem milhares de livros sobre homens em crise da meia-idade — alô Philip Roth — e pouquíssimos sobre mulheres. Ao lançar-se à obra, July faz um serviço importante para as mulheres, e para a humanidade como um todo.
Os casos narrados são retratados com uma honestidade brutal. Tudo é exposto, nada é reprimido. Essa expressão direta, nua e crua, é algo que aprecio. Tenho costume de ouvir o podcast Mil e uma TrETAS, mesmo sendo sobre questões da maternidade, simplesmente porque gosto demais da sinceridade com que os assuntos são abordados. É sobre falar a verdade.
Assim, por mais que não consiga responder se gosto ou não do livro, me pego pensando e falando sobre ele bastante nos últimos dias. Recomendei para amigos e amigas, solteiros e casados, gays e héteros. Todos tem a ganhar com a leitura.
E aí, gostaram da divagação, ou pirei demais? Conta pra mim.
Com amor,
Paula
Oie, daqui da sala VIP da Air France em Paris, indo para Capri li a resenha de hoje e não sei se fiquei com vontade de ler o livro..Fiquei mesmo na dúvida se o tema me interessa… vou reler e aí te conto minhas segundas impressões. Pode ser? Beijos e saudades
Rose
"vale a leitura" é um ótimo parametro :)
Ps: gostei de receber a edição domingo