Demorei muito para contratar alguém para trabalhar comigo em período integral. Morria de preguiça só de pensar na ideia de ter que treinar uma pessoa, dar e receber feedback, e toda a dinâmica que uma relação profissional envolve. Resisti até chegar ao ponto que estava insustentável; estava acelerando na quinta marcha, e o destino era um burnout.
Pouco antes de bater, ouvi a minha intuição e entendi que estava na hora de contratar alguém. Nessa mesma época, a minha prima Manoela estava se formando na faculdade, e começando a procurar emprego. Encaminhei o seu CV para alguns conhecidos, até perceber que ela era a pessoa perfeita para a NAZA. Ainda tentei pular fora de última hora — dando a desculpa de que eu tinha muitas viagens planejadas, então não poderia dar a atenção que ela merecia — mas a Manô me colocou contra parede ao dizer: nunca vai ser a hora certa, você sempre vai ter alguma coisa. Fique tranquila que não sou carente, e sei me virar. Fiquei sem ter o que falar, e no dia seguinte começamos a trabalhar juntas.
Olho para trás e vejo que por detrás da minha resistência tinha uma boa dose de arrogância — a presunção de achar que eu sozinha daria conta de tudo — que mascarava um grande medo; o de perder a minha liberdade. Vencer este temor foi um divisor de águas, e isso tem se refletido em outras áreas da minha vida. Hoje, sinto diariamente como juntas somos mais fortes; como dois é melhor do que um. É cafona, mas é verdade.
Com amor,
Paula
Suzana Gasparian 👩🏻🎨
Além da NAZA, eu e a Manô dividimos uma avó. Quer dizer; tecnicamente a Suzana é avó da Manô, e minha tia-avó, mas eu gosto tanto dela que a chamo de vovó.
Para a edição de hoje, que caiu bem no “Dia das Mulheres", sugeri a Manô que ela entrevistasse a sua avó. Achei o resultado muito especial; fiquei emocionada ao descobrir histórias da minha família que eu desconhecia, e adorei conhecer facetas dessa artista que eu tanto admiro. Aqui vão os melhores trechos da conversa:
Vó, me conta um pouco da sua história. Como foi a sua infância?
Nasci em São Paulo, em 1946, em uma família que era uma mistura de armênios, italianos e portugueses. O meu pai, Gaspar Gasparian, era o mais velho de sete irmãos. Ele ficou órfão aos 17 anos, e teve que rapidamente começar a se virar. Era o começo do século XX, e até então tudo vinha da Europa. Contudo, por conta da guerra, nada mais chegava de fora do Brasil. Então, meu pai e um cunhado aproveitaram a oportunidade para comprar um tear. Trabalharam muito e, como várias famílias de imigrantes, tornaram-se donos de muitas fábricas.
Quando nasci, a sexta de sete irmãos, meu pai já era bem sucedido e tinha trocado o Brás por Higienópolis. Ele contratou todos os tipos de professores para nos ensinar música, línguas e artes. Ele mesmo quis se “aculturar”; aprendeu inglês, escutava música clássica, e colecionava discos. Ouvia música todos os dias quando chegava do trabalho. Fui muitas vezes com ele ao Theatro Municipal, e ao Cultura Artística (que reabrirá este ano).
Se por um lado a minha casa era aberta as artes, a minha educação foi para lá de tradicional; era tudo muito fechado socialmente, só se convivia com a família. Eu não podia nem ir a casa de amigas, quem dirá à festas. Mas, quando minha mãe morreu (eu tinha 14 anos), passei a acompanhar meu pai em suas viagens e a conhecer um pouco do mundo. Viajamos por toda a Europa, e para alguns países do Oriente Médio. Aprendi a gostar de museus e de história graças a essas aventuras.
Foi daí que começou a sua vocação para as artes?
Sempre tive facilidade para desenhar. As viagens ajudaram para abrir a minha cabeça, assim como ver o meu pai tirando fotos. Ele era um fotógrafo renomado; ganhou muito prêmios, e participou de mostras em vários países já naquela época. Isso fez eu me interessar pelos artistas.
Você se casou muito nova. Como foi isso?
Como éramos muitos irmãos, e alguns deles eram personalidades conhecidas, eu sentia falta de ter a minha própria identidade. Casei com a esperança de finalmente viver a minha vida e ser “a Suzana”, e não a irmã do fulano, ou filha de ciclano. Mas, infelizmente, não foi isso que aconteceu; o alemão, meu ex-marido, quis mandar em mim assim como meu pai fazia. Me rebelei, e com 5 anos de casamento e dois filhos, me separei.
Como era ser uma mulher separada aos 25, com dois filhos pequenos, no início dos anos 1970?
Era 1971, estávamos no regime militar, e eu ainda era uma menina que não entendia nada do mundo. Meu pai já tinha falecido, mas alguns irmãos me apoiaram. Saí de casa e fui morar em um apartamento sozinha com meus filhos, que tinham 3 e quase 5 anos. Queria estudar e trabalhar, mas me achava velha para fazer faculdade; eram outros tempos. Fiz cursos esporádicos para trabalhar em agências de propaganda, até que eventualmente consegui um estágio em uma pequena agência. Isso me abriu um mundo novo; dei um salto de dez anos!
Comecei a cair na vida, ir em shows, festas, e aprender palavrões. Visitava exposições, ia ao cinema, e viajava; fui crescendo junto com os meus filhos. Só não bebia e não usava drogas porque tinha que voltar para casa com duas crianças. Foi o que me segurou. Namorei muito ao longo da minha nova vida, e viajava com grupos que acampavam em praias ainda desertas no litoral norte. Maresias só tinha pescadores e borrachudos, não tinha nem luz!
Passado um tempo, fiquei sócia de pequenos escritórios de criação de marcas. Permaneci assim por dez anos, até ir trabalhar na livraria do meu irmão. No paralelo, seguia fazendo cursos de máscaras, letras, cerâmica… Buscava me encontrar profissionalmente, até que em 1986, aos 40 anos, fiz um curso para desenhar com o outro lado do cérebro. Comecei a desenhar livre e nunca mais parei.
Passaram-se quase 40 anos, e hoje você é uma grande artista. O que é ser artista para você?
Artista para mim é uma pessoa que tem algo a dizer com a sua obra. Nesse sentido, não me considero artista. Acho que sou uma boa ilustradora; uma pessoa que sabe desenhar, como existem muitas. Na escrita, por exemplo, existe um escritor e um redator de agência de propaganda. Eu me considero um bom redator.
De onde vem a inspiração para suas criações?
A natureza me inspira. Eu faço muitos desenhos e bordados de plantas.
O que te dá mais prazer no seu trabalho?
Desenhar sem objetivo, à toa, e ver a tinta se esparramando quando faço aquarela livre. Também gosto muito da calma que pintar e bordar me trazem.
Quem é o seu pintor favorito? Tem algum movimento artístico que você prefere?
Egon Schiele. Ele desenha muito bem; é expressivo demais! Queria ser ele. Também gosto muito dos impressionistas e da geração posterior, sou romântica…
Em 2019, você trocou a cidade pela vida na fazenda. O que você mais gostava da vida em São Paulo?
Da minha liberdade. Em 2010, vendi o meu carro e passei a fazer tudo a pé, de metrô ou ônibus. Adorava fingir que era turista. Saía sozinha, com muitos destinos anotados de lugares que queria conhecer, que poderiam mudar ao longo do caminho. Assim, conheci muitos bairros diferentes como o Pari, e a sua feira boliviana (a Feira da Kantuta que acontece aos domingos).
Manô: acompanhei minha avó muitas vezes em seus passeios pela cidade. Isso me influenciou tanto, que fiz o meu TCC sobre a cidade de São Paulo, e dediquei a ela: “Dedico este espaço para homenagear a minha avó Suzana, que não apenas introduziu uma infinidade de locais para explorar na cidade de São Paulo, como despertou em mim uma sede de descobrir infinitas possibilidades de viver a cidade.”
Quando surgiu a vontade de ir morar no interior?
A primeira vez que pensei em me mudar foi quando fui visitar o meu filho que morava em Bonn, na Alemanha. Fiquei lá 15 dias, vivendo a cidade como se fosse moradora. Adorei.
De volta ao Brasil, sonhava em morar em Paraty, desenhando a paisagem e as casinhas na rua, ou em Caraíva, onde passei um mês. Contudo, logo percebi que a vida na praia não era para mim; faz muito calor, e tudo mofa. Considerei então Tiradentes, a Bocaina e a Serra da Mantiqueira, até que apareceu uma oportunidade mais próxima de São Paulo. Hoje, moro em uma espécie de comunidade rural, a 100 quilômetros da cidade.
Como é o seu dia a dia na fazenda?
Fiz um ateliê para mim, onde pinto e faço encomendas durante o dia. No final da tarde, gosto de ouvir musica clássica olhando para a natureza. Adoro visitar os meus vizinhos, que moram aqui na fazenda. Raramente vou à São Paulo; a cidade grande não me atrai mais, prefiro a calmaria do campo.
Tem alguma cidade que ainda te atrai?
Eu me sinto em casa em Paris e Veneza (não esqueçam que sou romântica). Se acreditasse em outras vidas, diria que eu teria morado nessas cidades. Acho lindo flanar em Paris, e Veneza é mágica.
Sempre notei que você lê muito, e adora cinema. Quais são os seus filmes e livros favoritos?
O Leitor, As Pontes de Madison, A Lista de Schindler e E.T. estão entre os meus filmes favoritos. Gosto de histórias verdadeiras, ou que poderiam ser.
Os meus livros preferidos são Anna Karenina, todos do Dostoiévski, os contos de Guimarães Rosa e A Capital da Solidão de Roberto Pompeu. Também adoro as biografias de artistas como Picasso e Camille Claudel.
Qual conselho você daria para mim, sua neta, e para a Paula, sua sobrinha-neta?
Se joguem na vida; ela é preciosa. Tenham filhos e netos, é muito bom…
Laura Pelucio 👩🏻🍳
Além da Suzana, contamos com um time de mulheres faixa-preta para produzir o primeiro NAZA Talks. A Ale Sanchez conduziu o talk, a Manô cuidou de tudo e mais um pouco, e a chef Laura Pelucio comandou o fogão.
Com apenas 23 anos de idade, Laura é nutricionista, com especialização em gastronomia plant-based pela Cordon Bleu de Londres. A história dela é super interessante; aos 11 anos mudou-se para os Estados Unidos, e começou a se aventurar na cozinha fazendo comidas típicas brasileiras para matar as saudades do país. Por motivos de saúde, e de alguns ideais, tornou-se vegana aos 18 anos, indo na contramão de sua família que é totalmente carnívora (eles inclusive trabalham no ramo!). Essa necessidade de uma readaptação alimentar fez a Laura descobrir que a culinária vegana pode ser deliciosa e sofisticada. Hoje, ela mora no Brasil, e está começando a fazer eventos pela cidade. Ela descreve o seu trabalho assim:
“Adoro pegar ingredientes simples, que vem da terra, e colocá-los em um pedestal. Gosto de realçá-los no prato, tanto pela maneira de preparação, quanto pelos temperos usados, transformando-os em muito mais do que acompanhamentos. É isso que busco fazer com a minha cozinha; prestigiar o sabor dos alimentos naturais, fazendo deles os protagonistas de cada prato.”
Adoramos trabalhar com ela; não só a comida é de fato gostosa, saudável e linda, mas ela aguentou a nossa loucura (dobramos o número de participantes na véspera do NAZA Talks!). Parabéns, Laura! Temos certeza que você ainda vai longe, espalhando o seu talento pelo mundo!
Quero maiZ: quando estávamos concebendo o menu do NAZA Talks, a Laura nos apresentou a Fungo de Quintal, uma empresa de delivery de cogumelos que fornece alimentos frescos, provenientes de pequenos produtores. Foram deles os cogumelos que usamos no nosso bowl quentinho. Delícia!
ChefVivi 🍽
Por falar em comida saudável, em que as estrelas são os ingredientes naturais, voltei ao ChefVivi depois de muitos anos sem ir ao restaurante da chef Viviane Gonçalves. Para quem não sabe, a Vivi foi pioneira no Brasil em unir o movimento sustentável à gastronomia (vale a pena ler o manifesto no seu site). Além de seu restaurante na Vila Madalena, ela hoje comanda as cozinhas do hotel Emiliano.
Fomos em quatro pessoas em um domingo de sol. Aproveitamos o dia agradável para sentar na calçada. Pedimos todos os pratos do (pequeno) cardápio, que muda diariamente de acordo com o que está mais fresco. A chef se compromete a utilizar o ingrediente de “ponta a ponta”, diminuindo o desperdício, e aumentando a versatilidade e a criatividade nos preparos, combinações e recombinações dos alimentos. Ficou evidente que os produtos usados eram frescos e de ótima procedência, o que está refletido no preço.
NAZA Talks 🎙
Já temos dia e hora para a segunda edição do NAZA Talks! Será no dia 26 de março, a partir das 18:00, na escola literária Escrevedeira. A nossa convidada será ninguém menos do que a própria Noemi Jaffe, uma das maiores escritoras da atualidade, e fundadora da escola. Nessa noite, vamos desmitificar a escrita, mostrando que ela pode ser para todo mundo. Estou animada e com frio na barriga só de pensar!
Se quiser participar, você pode se inscrever fazendo o pagamento através deste link, ou por PIX pelo QR Code abaixo.
Agenda da NAZA 🚀
Já sabe o que vai fazer neste final de semana? Temos um guia repleto de dicas de exposições, shows, festas, feiras, cursos e muito mais, para te ajudar a escolher a sua programação. Para acessar, entre no link abaixo. Muito obrigada!
Adorei a entrevista com a Suzana! Me emocionei, pois perdi a minha avó esta semana 🖤 ah e lembrei de um livro lendo a história dela, chama-se Um amor de filha, da Hanaide Kalaigian, também sobre a imigração armênia em São Paulo, artes, etc.
essa newsletter ta perfeita do começo ao fim! muito especial ter entrevistado a “nossa avó” e fazer parte da NAZA 🫶🏼