Quando saio de casa bem cedo para correr, vejo a cidade quase deserta. Cruzo alguns vigias, poucos moradores de rua, e, os pais de pets. Estes não têm a rua nem como ofício, nem como morada; estão ali para outro tipo de serviço. Está estampado em suas caras — muitas vezes amassadas e despenteadas — que saíram da cama há pouquíssimos minutos. Os trajes — pijamas esgarçados e moletons manchados de café — confirmam. Se chegar perto, aposto que consigo sentir os bafos matinais; eles certamente ainda não escovaram os dentes.
Nessas primeiras horas da manhã, quando a cidade ainda está acordando, percebo também os resquícios da noite anterior. Garrafas, vidros de carros, camisinhas... Cheiro de esbórnia. Já encontrei vários objetos aleatórios, como ovos e velas, com cara de que foram colocados ali por alguma simpatia. Será que é do tipo que trás o amor de volta?
A cada curva, mais pais de pets. Nestes dias de muito calor, eles estão na rua ainda mais cedo. A diferença de energia entre cão e dono é gritante; enquanto os animaizinhos saltitam de alegria, seus cuidadores mal abriram os olhos. Quando vejo esta cena se repetir em toda calçada, me pego acreditando no ser humano. Afinal, deixar o quentinho das cobertas em prol do outro, é um ato de amor.
Com amor,
Paula
O Colibri 📖
Tem livros que curto pelos personagens, mas o enredo me incomoda. Tem outros que me pegam pelo ritmo, mas o tema não me interessa. E, as vezes, tem obras em que tudo encaixa. O Colibri, romance do Sandro Veronesi, é uma dessas.
O livro narra a vida de Marco Carrera, um oftalmologista italiano, desde a infância até o final da vida. Os acontecimentos são retratados através de cartas, e-mails, mensagens e textos, de forma não linear, rendendo ao livro um dinamismo funcional. Assim, O Colibri flui em um vai e vem gostoso, e natural. É duro, mas com toques humorísticos que o suavizam. É real, com pinceladas de magia que nos ajudam a acreditar na beleza da vida. Terminei, mas já sinto saudades.
Giro de Curtas 📺
Algo que aprecio do Oscar é que ele dá visibilidade a outros gêneros de filmes, como os curta-metragens. Assisti esses três recentemente:
A Única Mulher na Orquestra (Netflix): retrata a vida de Orin O’Brien, a primeira mulher a fazer parte da filarmônica de Nova York. O’Brien tocou o contrabaixo na orquestra durante 55 anos, tornando-a uma grande lenda da instituição. Gravado por sua sobrinha, o documentário mostra o valor contido no papel dos coadjuvantes, que não querem aplausos individuais, e sim dar suporte ao todo. Levou o merecido Oscar de Melhor Documentário em Curta-Metragem.
Instruments of a Beating Heart (New York Times Op-Docs): este curta, indicado na mesma categoria do filme acima, serve como uma janela para espiarmos a educação japonesa. A diretora Ema Ryan Yamazaki mostra a preparação de um grupo de alunos da primeira série para a apresentação musical de final de ano. Baseado em suas próprias experiências, a diretora diz: “Eu era aquela garotinha, crescendo no Japão através do sistema de escola primária pública, vivenciando preparações intensas para atividades escolares como apresentações musicais. O que eu percebo agora é que essas experiências de aprender a ser resiliente, trabalhar duro, ser responsável pelo grupo e saber o quão grande uma sensação de realização pode ser sentida em uma idade jovem, é o que me fez quem eu sou hoje. O que está acontecendo em nossas escolas moldará como será nossa sociedade futura. Embora o sistema japonês tenha seus pontos fortes e fracos, espero que este filme ofereça a oportunidade para outras sociedades ao redor do mundo segurarem um espelho para seus sistemas educacionais e refletirem sobre como queremos criar a próxima geração.”
Anuja (Netflix): aqui, a protagonista também é uma menina esperta, mas desta vez a história se passa na Índia, onde duas irmãs órfãs trabalham em uma fábrica de costuras. Com apenas 22 minutos, Anuja, que significa “irmãzinha”, comove ao mergulhar em questões sociais como a marginalização de crianças abandonadas, a desigualdade de gênero, e as tradições culturais que perpetuam ciclos de exclusão. Não é um documentário, mas poderia ser; a atriz principal foi resgatada das ruas pela ONG Salaam Baalak Trust (SBT), co-produtora do filme. Nomeado na categoria Melhor Curta-Metragem de Ação ao Vivo.
Um Completo Desconhecido 🍿
A cinebiografia dos primeiros anos de carreira de Bob Dylan foi o último filme que assisti antes da premiação americana. Estrelado pelo queridinho de Hollywood Timothée Chalamet, Um Completo Desconhecido começa em 1961, quando Dylan tinha apenas 19 anos, e acabava de chegar em Nova York. Nas mais de duas horas que seguem, o longa revela a ascensão meteórica do cantor. Achei impressionante saber que todos os atores — Chalamet, a linda Monica Barbaro como Joan Baez, e o ótimo Edward Norton como Pete Seeger — cantaram quase todas as músicas do filme. O diretor fez um bom trabalho ao retratar a NY dos anos 1960, e conseguiu capturar bem as múltiplas camadas da personalidade complexa de Dylan. Não achei ótimo, mas está valendo.
Agenda da NAZA 🚀
O Carnaval passou, e o ano oficialmente começou. Vamos explorar a cidade? O nosso guia cultural com dicas de exposições, shows, peças de teatro, cursos e muito mais está recheadíssimo! Para acessar, clique no link abaixo; é uma forma de se manter informado, e de apoiar o nosso trabalho. Muito obrigada!
Estalinhos de Esperança ❄️
Se o vento é meu fenômeno temporal favorito, o cair da neve é o som natural que mais me toca.
Lembrei de você. Estou acabando de assistir "Ants on Shrimp" Tentando colocar uma imagem aqui.... Mas enfim. É um doc que mostra bem a força da figura do "chef" Se tiver assistindo dá um alô pro carioca, porque achei bem complicado comer num Michelin....Bad Gives