Levei um susto quando escrevi “Vol. 100” no subtítulo desta newsletter. Gosto de celebrar datas especiais, mas essa eu não vi chegando. Se somar a esse número os guias culturais de São Paulo, são 132 edições. É coisa para caramba!
Curiosamente, esta foi a edição que tive menos tempo para fazer. Escrevo este texto de madrugada, poucas horas antes dele sair de mim e chegar em vocês. Em um mundo ideal, comemoraria essa ocasião fazendo algo diferente, mas não foi assim que as coisas se desenrolaram por uma questão de tempo, mas também por um certo bloqueio. Qualquer coisa que penso em escrever me parece cafona, ou pequena.
Com isso, celebro a data de hoje sem um festejo extraordinário, mas agradecendo a todos que estão aqui. É uma honra imensa ser lida por cada um de vocês. Não sei se todos tem essa consciência, mas ao tirarem tempo para ler um email, escrito sem a ajuda de IA, por uma mulher, em uma plataforma independente, sem patrocínio, estamos resistindo ao sistema e ao modus operandi atual. Muito obrigada a todos, principalmente aos nossos apoiadores.
Com amor e gratidão,
Paula
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Jaime Chamberlain 👩🏻💼
Ao longo desses quase três anos, tive a oportunidade de entrevistar muitas mulheres legais como a aquarelista Suzana Gasparian, a terapeuta Alexandra Sanchez e a escritora Noemi Jaffe. Pude conversar com algumas divas internacionais como a Gisela Gueiros, Lalai Persson, Laura González Fierro e Manuela Perez. Tivemos até uma edição com uma editora convidada, a Ligia Lima. Quando a publicação de hoje calhou de ser no dia que eu tinha pensado em dividir a minha conversa com uma das mulheres que mais me inspirou nos últimos tempos, tudo fez sentido. Existe forma melhor de comemorar 100 aniversários do que celebrando outra mulher?
Divido aqui alguns trechos da minha conversa com a Jaime Chamberlain. Mas, preparem os corações; não se trata de um tema fácil.
Jaime, de onde você é?
Sou filha de pais malásios, nascida na Nova Zelândia, e criada em Hong Kong. Foi lá que conheci meu marido, o Tim, com quem moro há 14 anos no Brasil. Nossas filhas, de 14 e 12 anos, nasceram aqui e tem passaporte brasileiro.
No dia que nos conhecemos, você estava com suas filhas, e com um menino de 6 anos. Quem é esse menino?
O Joaquim1 é uma criança que está morando na nossa casa há 15 meses. Ele é a oitava criança que mora temporariamente conosco. A nossa casa é também um “lar temporário”: acolhemos bebês e crianças que precisaram ser afastados de suas famílias. O Joaquim é o que está com a gente há mais tempo. O caso dele é complexo e está na justiça, por isso ele continua “em limbo”; em uma situação onde ele ainda não pode ser adotado, e também não pode voltar para a família biológica.
Porque vocês escolheram ser uma Familia Acolhedora?
Em 2015, perdi uma amiga muito próxima. Enquanto eu processava essa perda, recebi um email de outra amiga, me convidando para ir a um encontro sobre “fostering”2. Decidi ir e encaminhei o email para o meu marido na hora: “vamos nesse evento? Será o meu presente de Natal”. Ele achou ótimo, pensando que o presente estava resolvido…mal sabia ele rsrs.
Fomos na reunião, organizada pela ONG Instituto Fazendo História, e saímos encantados com o trabalho deles. No dia seguinte começamos a fazer a formação para receber uma criança e, assim que terminamos, chegou o nosso primeiro bebê. Era uma menina de quatro meses. Fomos a primeira família em São Paulo a receber uma criança dentro desse modelo oficial.
Como foi a primeira experiência?
Lembro que organizei um chá de bebê com algumas amigas. Queria ter tudo para receber ela bem.
Com o tempo, fui entendendo que é mais importante celebrar a despedida da criança, do que a chegada. Quando ela vai embora, significa que está indo para a sua casa permanente. Hoje, fazemos questão de “comemorar” quando a criança sai da nossa casa; é um momento de transição importante para nós, e para eles. A verdade é que todos nós, cedo ou tarde, vamos embora. Acho extremamente saudável lidarmos com despedidas, por mais difícil que elas sejam.
Você mantem contato com as crianças depois que elas vão embora?
Depende. Primeiro, tem o momento de transição, para que a mudança não seja feita de forma tão abrupta. Teve um bebê, por exemplo, que foi adotado, e os pais adotivos vinham na nossa casa na hora de fazer a criança dormir, para aprender a rotina. Aí fui eu que levei a criança para a casa deles, com minhas filhas, e seus brinquedos favoritos. Das 8 crianças que ficaram conosco, 3 foram adotadas, e 5 voltaram para a família.
Vocês recebem alguma ajuda?
Hoje em dia, fazemos parte do serviço público, junto com 30 outras famílias. Assim, recebemos um salário mínimo por mês. De vez em quando recebemos ajuda de profissionais como médicos, que oferecem consultas gratuitas.
Existe algum critério para ser voluntário?
Não, qualquer um pode se candidatar. Eu amo que não existe um tipo de pessoa específica para esse trabalho. Até fizeram um estudo para tentar identificar semelhanças no perfil dos voluntários, mas não chegaram a nenhuma conclusão.
Como é para suas filhas receber as crianças em casa?
Elas já estão acostumadas. Isso faz parte da vida delas desde que são muito novas. É a razão principal pela qual eu quis fazer isso. Fazemos parte do 1% do mundo, acho importante elas serem conscientes disso e serem gratas pelo que tem.
Qual é a maior lição que você aprendeu com isso?
O que mais aprendi foi a tentar não julgar. É fácil acreditar que a vida que estamos dando para aquela criança é melhor, só porquê temos mais condições, mas isso não faz de nós a família dela. Fazemos um trabalho para ajudar a criança a ir construindo a sua história, independente dela voltar ou não para sua família. Por isso o nome do instituto; ajudamos as crianças a olhar para suas histórias com amor e dignidade, independente do quão difícil ela seja. Por exemplo, nunca usamos a palavra “abandono”, falamos de outra forma como “sua mamãe não consegue cuidar de você”. Os voluntários da ONG fazem álbuns com a história de cada criança, que eles poderão carregar para a vida toda. Mesmo que as histórias sejam realmente duras, elas precisam ser escritas, porque são suas histórias.
Quero maiZ: estou fascinada pelo Instituto Fazendo História. O vídeo acima resume um pouco o trabalho deles. No site, é possível conhecer melhor o que eles fazem, e as diferentes formas de ajudar. Para fazer uma doação, clique aqui.
Agenda da NAZA 🚀
Todo mês, publicamos um guia cultural com dicas de exposições, shows, festas, cursos, e muito mais. Você pode acessar clicando no link abaixo. É uma forma de você se manter informado, e de apoiar o nosso trabalho. Muito obrigada!
Alteramos o nome da criança, para preservar a sua identidade. Há alguns anos passou a vigorar uma lei que visa proteger mais as crianças, e tudo é mantido em sigilo extremo. É proibido compartilhar nomes, fotos, e qualquer detalhe sobre a história das crianças.
O conceito de “fostering" ou “foster care" é pouco conhecido no Brasil, mas é comum em alguns países como no Reino Unido. Aqui, o acolhimento de crianças é feito de maneira mais informal, por isso o conceito é pouco conhecido. Os problemas gerados por essa informalidade são vários, e muitas crianças são desassistidas no meio do caminho…
Ler a News já faz parte das minhas manhãs de sexta, refletir, me emocionar, pensar em novas formas de existir e resistir. Feliz edição 100!
You rock Paulinha, love your writting, your great soul and beautiful deep learnings and therefore teachings for me.
Hermanito