Conto nos dedos as vezes que chorei assistindo a um filme. Não tenho orgulho disso, pois acho chorar tudo de bom, mas derrubar lágrimas para mim não é fácil.
Recentemente eu chorei. Meus olhos encheram de lágrimas ao assistir As Nadadoras (Netflix), que conta a história das irmãs sírias refugiadas Yusra e Sara Mardini, das quais virei fã número um.
O filme em si não é uma obra-prima, mas a história é impressionante. É impossível assistir e não pensar nas milhões de pessoas refugiadas ao redor do planeta. De acordo com a ACNUR, há mais de 100 milhões de pessoas no mundo que foram forçadas a se deslocar. Mais da metade delas são crianças. São sírios, venezuelanos, ucranianos, afegãos e sul-sudaneses, entre outros, que são obrigados a deixar suas casas e começar uma longa jornada até encontrar abrigo em outros lugares. Muitos nunca encontram.
Na segunda-feira, o mundo acordou com a notícia de que um terremoto havia atingido a Turquia e a Síria, deixando (até agora) 21.000 vítimas — a maioria delas refugiados sírios que vivem entre os dois países. Eu só conseguia pensar nas primeiras cenas do filme…tem alguma coisa que ainda não foi destruída na Síria?
Vivemos problemas gravíssimos no Brasil. A crise dos Yanomamis é só uma das tragédias inaceitáveis em curso aqui. Mas, pelo menos por enquanto, ainda podemos caminhar na rua sem correr o risco de sermos atingidos por bombas ou levados por um terremoto. Meu coração está com o povo sírio.
Com amor,
Paula
Entrevista: Isabel Mora 🫂
Quando postei sobre o filme, uma das minhas melhores amigas, a Isabel, me contou que conheceu a Sara Mardini quando elas trabalharam juntas num centro de acolhimento para refugiados em Lesbos. Fiquei louca para saber mais, então pedi para ela contar um pouco da experiência dela por lá:
O que você fazia em Lesbos?
Eu trabalhei durante três anos para a Movement on The Ground (MOTG), uma ONG liderada por empreendedores de Amsterdã. Os fundadores eram do ramo de festivais e hotelaria, até que eles se depararam com a situação dos refugiados na Europa. Eu ficava entre Amsterdã e Lesbos, onde o meu trabalho era receber empresários e influenciadores, com o intuito de aumentar a conscientização pública dos problemas e conseguir ajuda.
Uma coisa que me surpreendeu foi o quão importante foram as habilidades dos fundadores da MOTG (por serem de ramos tão distintos). Durante o caos do começo da crise, eles eram muito mais eficientes e rápidos do que as grandes ONGs, que têm processos internos muito burocráticos. Por exemplo, faz muito frio, e trabalhando com nossos parceiros comerciais, conseguíamos doações de materiais como tendas, aquecedores e cobertores com mais agilidade do que as ONGs tradicionais.
Porque você começou a trabalhar com refugiados?
Senti-me atraída pelo assunto porque via a condição de refugiado como a pior situação imaginável para uma pessoa, então queria fazer alguma coisa para ajudar. Um amigo que já estava trabalhando com a MOTG veio falar comigo e em seguida comecei como "Project Manager". Era para ter durado três meses mas acabei ficando três anos.
Onde você morava lá?
Eu ficava em pousadas minúsculas perto dos acampamentos. A gente achava muito importante sempre apoiar a economia local o máximo possível. A ilha é linda, e antes da crise, grande parte da economia local vinha de turismo. Quando essa ilha com 90.000 habitantes de repente recebeu mais de 500.000 refugiados apenas em 2015, o impacto foi devastador: ninguém mais queria passar férias lá. O fenômeno de "volunturismo" (turismo voluntário) já foi bastante criticado, mas nesse caso foi importante pelo menos em termos de apoiar a economia local em Lesbos.
Como era sua rotina diária?
A primeira vez que eu fui, não tinha rotina (nem tempo para dormir rsrs). Era bem no começo do programa de voluntários, então ainda não tínhamos os processos estruturados que temos hoje. Eu ficava acordada a noite inteira esperando a chegada de barcos com refugiados e comprando suplementos, como infinitas garrafas d’água e bananas, e distribuindo para os refugiados que chegavam na ilha e depois partiam de balsa para Atenas.
Passado um tempo, quando a situação na ilha evoluiu e os acampamentos se tornaram mais permanentes, meu papel mudou para esse de trazer líderes internacionais para entender os problemas e nos ajudar a resolvê-los. Nesse período, minha rotina era: acordar na pousada grega; ir de táxi para os acampamentos e ajudar a distribuir o café da manhã; levar visitantes para conhecer os acampamentos; coordenar sessões de brainstorming; e — minha parte favorita — terminar o dia na festinha do acampamento, onde você via todas as nacionalidades imagináveis, celebrando a cultura e a música uma da outra.
Estas histórias são ótimas para quem quiser se inteirar mais da vida cotidiana nos acampamentos.
Como eram as pessoas que você conheceu?
A coisa mais especial para mim foi ver, em pessoas enfrentando situações inimaginavelmente difíceis, uma incrível resiliência e capacidade de manter uma mentalidade positiva. E também os corações de ouro das pessoas dedicadas a trabalhar nessa crise. Voluntários chegavam e ficavam tão chocados com a situação lá que acabavam dedicando anos de suas vidas para trabalhar lá (de graça).
Também foi muito interessante conhecer organizadores de festivais, empresários, cineastas, cantores, atletas que aplicavam suas diversas habilidades existentes a desafios completamente diferentes e faziam toda diferença.
O que você mais gostou e qual foi a parte mais desafiadora da experiência?
Eu curtia muito as simples trocas diárias. Por exemplo, falar "bom dia" e levar o café da manhã para as pessoas vivendo em caixas isobox no acampamento mais vulnerável. Esses pequenos atos davam, por um curto momento, uma sensação de vida normal. Outro momento que gostava era quando eu via as pessoas cozinhando para elas mesmas as receitas tradicionais que suas famílias fazem há gerações.
As experiências mais desafiadoras foram um incêndio que aconteceu num acampamento, e ver e ouvir as tragédias diárias do Acampamento Moria, que ficou conhecido como um dos lugares mais desumanos do mundo para se viver (lembrando que estamos falando da Europa, a três horas de voo de Amsterdã).
O que você aprendeu com essa experiência?
Confesso que, antes dessa experiência, eu me sentia muito desconectada com o que eu lia na imprensa. Os números eram abstratos, e, até ver de perto, eu não tinha ideia do que realmente estava acontecendo.
O trabalho com a MOTG me permitiu desenvolver mais compaixão por pessoas passando por tragédias pelo mundo (por exemplo, na Síria e na Turquia agora). Antes, eu lia uma frase como "Há 100 milhões de pessoas deslocadas no mundo", e era uma coisa muito generalizada para mim; eu não conseguia imaginar ou conectar com as pessoas. Hoje, depois de ter conhecido um por um muitos indivíduos deslocados, sei como são — são pessoas com histórias, famílias, irmãos, carreiras, lares, sonhos, exatamente como eu e você — e consigo me conectar com elas.
Como podemos ajudar?
Fazendo uma doação. Se você escolher as organizações certas (como a MOTG), sua doação pode ajudar muito — essas organizações já têm programas estruturados e precisam de dinheiro acima de tudo.
Tornando-se voluntário. Você tem um pouco de tempo livre? Escolha uma organização e vá! Mudará não só a sua vida, mas também as vidas de outras pessoas. A MOTG sempre agradece a ajuda de voluntários visitantes em seus projetos em Lesbos, Samos e Chios.
Associando-se. Investigue como suas habilidades ou seu negócio podem ajudar organizações que precisam de apoio, como a MOTG. Só o que você já faz diariamente pode fazer muita diferença se aplicado em parceria com uma ONG.
Para mais informações sobre a MOTG, clique aqui.
4 Livros 📚
Para quem tem interesse em saber mais sobre a realidade de pessoas refugiadas, a Vicky recomenda quatro livros:
It's What I do: A Photographer's Life of Love and War de Lyndsey Addario.
We Are Not Refugees; True Stories of the Displaced de Agus Morales. Nesta obra, Morales conta sobre a história de vida de dezenas de refugiados, e mostra que o trauma que os forçou a abandonar suas casas infelizmente não termina com o alívio de ser acolhido num lugar seguro. Além de comovente, é interessante ver como Morales questiona o conceito de “refugiado” com frases como:
A palavra refugiado adquire seu significado quando elas tentam defender seus direitos e buscam proteção internacional, mas raramente é uma palavra que usam para se referir a si mesmas.
On All Fronts: The Education of a Journalist de Clarissa Ward. Este livro é um relato fascinante da carreira excepcional da jornalista Clarissa Ward. Ela também apresenta o podcast Tug Of War.
Infidel, de Ayaan Hirsi Ali. Uma leitura viciante, sobre a trajetória impressionante da Hirsi Ali, que chacoalha a nossa visão do mundo.
Rupi Kaur
Contei na Agenda de fevereiro que estava super animada para ir na apresentação da poeta refugiada indiana-canadense Rupi Kaur. Pois bem, sábado passado tive o prazer de estar entre as milhares de mulheres que ouviram Rupi declamar seus poemas sobre depressão, relacionamento tóxico, traumas e migração. Foi uma noite forte. Deixo aqui um dos poemas da Rupi sobre a situação de refugiados:
Agenda da NAZA
Falando em Agenda, que tal você assinar a nossa hoje? Vou te dar três razões para fazer isso:
Sua vida em São Paulo vai ficar muito mais divertida
Você vai mostrar que curte o nosso trabalho
Nós vamos ficar bem felizes : )))
Restaurantes de refugiados em SP
Sabia que temos em torno de 60.000 refugiados em São Paulo? Entre vários ofícios incríveis comandados por eles, estão alguns ótimos restaurantes. Aqui vai uma listinha, para vocês completarem nos comentários!
Árabes
Africanos
Para refletirmos 💡
Einstein, Picasso, and Alberti were rescued from their status as refugees, and survived to offer the world their genius. Had they been born today, they’d probably be lining up for a bag of food, or waiting to be sent back to where they came from.
Olivier Longué
Huir para vivir: La libertad de los refugiados en un mundo global
Mensagem da minha tia querida:
"Paula,
Traduzi um livro lindíssimo sobre um deslocado sírio, O Homem que Escutava as Abelhas, escrito por voluntária em um desses centros de refugiados.
Beijo,
Elisa Nazarian"
Eu chorei bastante com esse filme há duas semanas, especialmente na cena em que eles chegam em Berlim. O primeiro dia em que trabalhei como voluntária com refugiados foi quando vi a cena mais desoladora do mundo, quando um trem chegou da Polônia trazendo cerca de 1.000 refugiados ucranianos, a maioria mulheres, idosos e crianças. Eles estavam empanturrados com os rostos colados na janela. Quando a porta abriu na minha frente, tinha uma senhora de uns 80 anos numa cadeira de rodas. Ela estava tão apavorada que ela tentou se levantar pra descer pq estava sozinha. Eu e um amigo voamos para pega-la e ela caiu no meu colo e tivemos que nos sentar no chão na plataforma até alguém nos ajudar com a cadeira. Quando a colocamos de volta na cadeira, ela me puxou, me abraçou e riu. E a gente tinha que segurar a onda para não chorar. Ali eu achei que não daria conta do trabalho, mas dei. Hoje carrego muitas histórias, fico curiosa em saber por onde andam as pessoas que consegui ajudar e, como a sua amiga disse na entrevista, a empatia que tenho hoje com refugiados é totalmente outra. Obrigada por entrevista-la. ❤️